Entre buzinas, sirenes e acenos, encontra-se Jacson William de Miranda, usando chapéu, blusa de manga longa listrada, jardineira azul com recortes coloridos e em suas mãos pinos de malabarismo e em sua cabeça uma bolinha de equilíbrio. Mesmo sob o sol intenso das 9h00, seu entusiasmo em compartilhar sua arte com motoristas, motociclistas, ciclistas e pedestres permanece inabalável.
“Palhacito”, nasceu e cresceu em Tangará da Serra, uma cidade com cerca de 107 mil habitantes. Para ele, a arte não foi um dom natural, mas uma escolha que exigiu estudo e dedicação. Suas apresentações ocorrem no movimentado semáforo da Avenida Brasil com a Rua 4, uma área central repleta de lojas, bares e farmácias.
Antes de se tornar “Palhacito”, Jacson trabalhava na empresa de sua tia. Após uma acalorada discussão sobre um prejuízo de 14 mil reais, decidiu que ali não era seu lugar. Vendeu sua moto, comprou uma bicicleta e partiu para realizar o sonho de conhecer o mar. Três meses depois, chegou a Santos, SP, e pedalou até o mar, onde entrou com bicicleta e tudo, sem se preocupar com as consequências.

Numa noite, quando se preparava para dormir, procurou um local seguro para armar a barraca e encontra um espaço próximo ao posto policial. Mas infelizmente não era tão seguro quanto imaginava. No outro dia ao acordar com um usuário de entorpecentes levando seus pertences. Triste, revoltado e sem sapatos, saiu caminhando e decidiu seguir até a capital de São Paulo. No percurso mais precisamente em Atibaia, o artista que até então não sabia nada sobre a arte de malabares, encontrou três bolinhas e no próximo semáforo ao qual chegara, se encorajou a começar. Fez sua apresentação, o sinal abriu, agradeceu e recebeu 10 reais de um motorista.
Mas algo maior o surpreendeu: em meio aos carros, um vidro abaixou e um outro motorista o chamou, dizendo: “Oi! Percebi que você está com o olhar triste, mas mesmo assim está fazendo a gente sorrir. Parabéns! Você é de onde?” Ele respondeu: “Do interior de Mato de Grosso”. E então, o motorista entregou a ele um envelope e foi embora. Ao abrir, ele viu que tinha 300 reais. “Aquilo ali foi o meu impulso”, relembrou com os olhos cheios de lágrimas, e complementou: “Quando eu falo dessa história, eu até me arrepio”, disse, apontando para o braço esquerdo. E realmente os pelos do braço ficaram arrepiados.
Arte de rua

Arte Urbana, Arte de Rua ou Street Art é um movimento artístico-cultural que acontece nas ruas das cidades, criando uma combinação entre arte, discurso, cotidiano social e paisagem urbana. A rua é o palco da diversidade cultural, a arte urbana leva a arte para além de espaços restritos, fazendo com que todos os públicos tenham acesso ao espetáculo mesmo que esse público não tenha saído de casa para apreciar essa arte.
A preferência pelo espaço público para fazer a demonstração da Arte Urbana tem como objetivo causar impacto nos espectadores, além de transmitir uma mensagem revolucionária, que critica a sociedade com ironia. Normalmente, esse tipo de arte descreve o trabalho de pessoas que desenvolvem um estilo de expressão artística através do uso de diferentes técnicas alternativas como pôsteres, adesivos, moldes, murais, spray e outros.
Cada artista tem a sua individualidade, por isso a Arte Urbana não segue um padrão. Segundo uma pesquisa chamada “O trabalho de artistas de rua em Goiânia GO” produzida pela Universidade Federal de Goiás entre 2019 e 2020 constatou que os artistas de rua são movidos pelo desejo de viver fora do sistema de trabalho atual. Voltando para o personagem “Palhacito”, durante a realização da entrevista, ele fala repetidamente que não se sentia bem fazendo parte do sistema, “Eu era só mais uma peça no jogo”.
Além da Aparência
Passaram-se longos meses, Jacson não soube dizer ao certo quanto tempo, pois estava focado em viver, e não em se preocupar quanto tempo estava fora de sua cidade Natal. Nesse tempo ele foi sobrevivendo apenas de sua arte nas ruas de Atibaia, SP, tinha dinheiro para comer, beber e se quisesse até para dormir num hotel, mas não achava necessário, já que era nas ruas que se sentia livre.
Ao finalizar uma de suas apresentações, foi convidado por um rapaz, de vestes sujas, cabelo e barba sem corte que levava em suas mãos um corote, “bora tomar uma”. Jacson recusa a pinga e diz que não faz uso de bebida alcoólica. O moço então insiste: “Então bora tomar um refrigerante”. Então ele aceita.
Os dois caminham em direção ao bar quando são surpreendidos pelas forças de segurança, os policiais fizeram a checagem dos documentos e logo após serem liberados, seguiram até o bar, Jacson tomou refrigerante e o homem misterioso uma cerveja. Ao final o homem questiona onde ele ia passar a noite. Ele então responde: “Por aqui mesmo, na rua.” O rapaz então o convida para ir dormir em sua casa. Um pouco ressabiado aceita. “Cara, no caminho, eu só pensava que eu ia parar numa favela”. Ao chegar na casa, ele se espantou: M a n o! aquilo não era uma casa, era uma mansão. Ainda preocupado se aquela era mesmo a sua casa, questiona o novo amigo que fizera: Essa casa é mesmo tua? O rapaz então começa a lhe contar sua história. De usuário de craque, alcoólatra à dono de uma empresa de autopeças.
Jacson ficou mais ou menos uns 3 meses morando e trabalhando como motorista particular deste senhor, o qual ele não quis revelar o nome. Depois voltou para as ruas, mas manteve uma amizade com o aquele que a primeira impressão era só um morador de rua. Depois de 3 anos em Atibaia, o artista decide que estava na hora de voltar. A arte lhe trouxe liberdade, mas estar novamente em “casa” lhe deu a segurança de que criar raízes é fundamental, pondera “Estar nas ruas é sobreviver, estar aqui com a minha família é viver, e eu senti falta disso”. O amigo e empresário que fez durante sua vida em Atibaia, lhe deu de presente a passagem de volta a sua terra natal.
Conhecer pessoas, cidades e estados foi o ponto que tirou Jacson da “caixa”. Ao longo desta reportagem não pude deixar de notar, a expressão de satisfação ao vê-lo falar da sua arte, contar sua caminhada até aqui, contando suas tatuagens, todas feitas no “mundo” como ele se refere ao mostrar algumas.
Um novo horizonte
Em muitas de nossas conversas para escrever essa reportagem, ele me confessou a vontade de voltar a viajar pelas cidades, estados e não só no Brasil, projeto que ele estava ansioso para realizar, buscando ajuda e patrocínio para equipar sua bicicleta, veículo que ele usou para se libertar das amarras do mundo tradicional.
Menos de um ano após esse contato, em vivenciar com o dia a dia de um artista de rua, busquei atualizar e saber por anda e como está o “Palhacito”. Em um primeiro momento tentei contato via aplicativo de mensagem WhatsApp, aguardei alguns dias e não obtive respostas, então procurei o amigo mais próximo na cidade de Tangará da Serra, Dan Nubio que também é um artista de rua, vive de sua arte nos semáforos das ruas mais movimentadas da cidade, Dan Nubio me contou que Jacson teve o aparelho celular roubado e por isso não tinha como se comunicar e ainda me passou o perfil do Instagram do artistas onde pude comprovar por suas postagens que o mesmo não se encontra na cidade.
Deixei mensagens tanto no perfil do Instagram quanto no Facebook e sigo aguardando respostas. Mas é de se esperar que ao viver da arte o artista tenha esse desejo em estar buscando não só novos conhecimentos mas também novos horizontes, quando conversei com ele, o mesmo sempre me falava de seu projeto para o ano de 2024 ele dizia sentir uma inquietação, que precisava voltar viajar pelo mundo, como se aquele sentimento fosse uma sede de viver “Eu amo minha cidade, mas sair pelo mundo a fora me traz tantas experiencias, eu posso conhecer tantas pessoas e aperfeiçoar a minha arte”.
Para a minha surpresa, na noite de hoje dia 16 de maio recebi uma notificação com uma mensagem de Jacson, no áudio ele contou que está na cidade de Sidrolandia MS e que já passou por São Paulo, Minas Gerais e Paraguaia. Com a voz contente indagou como eu estava e como minha amiga, Yesa Maria a qual foi minha colega, de curso, amiga e a minha dupla de trabalhos, nessa reportagem eu trabalhei o texto e ela um vídeo reportagem. Respondi o áudio triste, pois contei que Yesa não está mais presente entre nós. Finalizo esse parágrafo esperando uma resposta, acredito que ele tem muitas novas histórias para me contar sobre suas viagens.