
As apostas estão presentes no Brasil desde o período colonial através dos jogos de carteado, prática trazida da Europa, que com a chegada da família imperial em 1808 foi regulamentada e passou a pagar tributos a coroa. Sendo uma prática comum durante o período imperial, mesmo com períodos de proibição, as casas de tavolagem eram os locais onde as jogatinas ocorriam com baralhos.
Em 1892, o Barão João Batista Viana Drummond cria o “Jogo do Bicho”, um sistema de aposta em que os animais representam os números a serem sorteados. O objetivo era arrecadar dinheiro e chamar visitantes para seu zoológico de Vila Isabel. O jogo foi proibido pela prefeitura carioca em 1895, porém já havia se espalhado por toda cidade e posteriormente por todo o país, tornado-se um dos meios ilegais de apostas mais populares e folclóricos do Brasil.
Em 1920, a lei n° 3987 que previa o funcionamento de apostas em locais que seguissem as regras impostas, fez com que as casas de jogos voltassem à legalidade, gerando a grande ascensão das casas de apostas no Brasil. Todavia, esse foi um período muito curto. As décadas de 1930 e 1940 marcaram a era de ouro dos cassinos brasileiros e foram caracterizadas por grandes lugares como o Cassino da Urca, Hotel Copacabana Palace, Cassino da Pampulha e Cassino Quitandinha, locais que atraiam a elite brasileira e os turistas.
A “Lei de Contravenções Penais” de 1941 (Decreto-Lei n° 3688), que qualifica como infração a exploração de jogos de azar, não interrompeu esses espaços de seguirem sua atuação, uma vez que eram regulamentados e compreendidos como legalizados pelo governo segundo os Decretos-Leis 241 de 1938 e 5.089 de 1942. Foi só em 1946 que o presidente Eurico Gaspar Dutra com o Decreto-Lei 9.215 restaurou a contravenção penal prevista na lei de 1941 e ordenou o fim dos jogos de azar no Brasil.
Apesar da proibição dos jogos de azar pelo presidente Dutra, o turfe, popularmente conhecido como corrida de cavalos, e as loterias não foram abrangidas pela lei, continuando suas atividades no território nacional. Em 1969, os jogos ocorridos nas loterias passaram a ser organizados e realizados de maneira exclusiva pela Caixa Econômica Federal, com o dinheiro arrecado sendo redistribuído para investimentos no país em áreas como educação, segurança e saúde.
Na década de 90 houve duas grandes mudanças sobre a legislação de apostas no país, ambas receberam nome de jogadores: a Lei Zico e a Lei Pelé. Em 1993, a Lei nº 8.672, conhecida como Lei Zico, entre outras determinações sobre as práticas esportivas no Brasil, permitiu a exploração comercial de bingos por entidades esportivas, o que gerou o surgimento de casas com bingo eletrônico e máquinas caça-níqueis. Já a Lei nº 9.615, Lei Pelé de 1998 que substituiu a anterior e é, atualmente, a principal legislação do setor esportivo no território nacional, não manteve a permissão para os bingos e o setor foi gradualmente fechado.
Houve em 2018 uma alteração na legislação de jogos de azar, a Lei nº 13.756 que introduziu a “Aposta de Quota Fixa”, modalidade onde se faz uma previsão de um evento real ou virtual e o valor a ser recebido é definido ao apostar. Dessa maneira, permitindo o funcionamento de casas de apostas esportivas de fora do país e o surgimento das bets nacionais, porém não definiu regras específicas para a operação dessas. O que veio a acontecer apenas no ano de 2023, com a Lei nº 14.790 que determinou as exigências para a atuação dessas plataformas em território brasileiro.

Apostas Online no Brasil
A regularização de 2018 permitiu o grande crescimento do setor, de acordo com o Datahub houve um aumento de 734% no número de empresas de apostas registradas no país entre os anos de 2021 e 2024. O levantamento de 2024 feito pelo Banco Central Brasil (BCB) mostra que o valor de transferências via Pix para empresas de apostas online variam entre R$18 e R$21 bilhões mensais, o que totaliza aproximadamente R$240 bilhões no ano de 2024, com cerca de 24 milhões de usuários depositando no ano passado. É estimado que 15% desse valor apostado fique retido nas empresas, o que equivale ao valor de R$36 bilhões sendo ganhos pelas casas de apostas.
De acordo com o recorte do BCB sobre agosto de 2024, o perfil dos apostadores está em uma faixa entre 20 e 30 anos, com o gasto médio aumentando de acordo com a idade, começando em R$100 e indo até R$3000. Nesse mesmo mês, o número de pessoas pertencentes a famílias beneficiárias do Bolsa Família (PBF) que fizeram suas transferências via Pix para essas plataformas foi de 5 milhões, enviando um total de R$3 bilhões. Pode se concluir que as pessoas de baixa renda são as mais afetadas por essa epidemia das apostas, mesmo assim todos continuam a jogar e a popularidade dessas plataformas só aumentam. Para entender o motivo desse crescimento é primeiro preciso saber quais são as duas formas mais usadas para se apostar: apostas esportivas e os “Slots”.
Vícios: Funcionamento das Bets e Efeitos Psicológicos
Com o amor dos brasileiros pelos esportes, principalmente o futebol, as apostas esportivas online se tornaram uma das formas dos jogos de azar mais populares do país. Sendo parte das quotas fixas, a modalidade consiste em prever acontecimentos em eventos esportivos, com a premiação sendo definida previamente pelas “odds” que indicam a chance da aposta se realizar, ou seja, uma “odd” baixa dá pouco retorno por haver uma alta chance de acontecer, enquanto uma “odd” alta dá muito retorno por haver uma baixa chance de se realizar. Houve uma grande evolução nesses jogos, pois no início se apostava em placares e resultados, com o tempo foram sendo adicionadas mais possibilidades: quantidade de cartões, placar por tempo, faltas, escanteios, jogadores que marcam, time que abre o placar etc.
Por ter sua realização baseada em eventos reais, apresenta menor aleatoriedade, dificultando a criação de manipulações pelos cassinos. Por isso funciona com uma porta de entrada para chamar novos jogadores, mas não é a principal fonte de lucro. Apesar disso e de ser legalizado, sua influência no mercado do futebol e seus polêmicos casos geram dúvidas sobre seu funcionamento.
O desenvolvimento da internet fez com que diversas práticas migrassem para meios digitais (Troca de Mensagens, Transferências bancárias, Transmissão de jornais, Exibição de filmes, etc). As apostas também não fugiram dessa tendência já que além da migração das apostas esportivas, hoje uma das modalidades mais populares no país, os slots que são caça-níqueis online criados se baseando nas máquinas muito usadas nos cassinos físicos, os resultados são gerados por algoritmos de aleatoriedade.
Os Slots se tornaram populares pelos jogos possuem animais, com seu maior expoente sendo o famigerado “jogo do Tigrinho”, mas possuem diversas variações com a mesma base: jogos com cores vivas, animações rápidas, barulhos intensos que funcionam com diferentes símbolos chamativos descendo de maneira aleatória pela tela e que quando param indicam se o jogador ganhou ou perdeu. Os ganhos acontecem quando os itens iguais se alinham entre si ou com as “wilds” (cartas coringas que se ligam com todas as figuras), com seu valor dependendo da aposta, do tipo de ícone e sua quantidade.

Sua aleatoriedade gerada por algoritmo faz com que essa seja uma prática facilmente manipulada pelas “Bets”, sendo assim a maior fonte de renda de cassinos. Fazendo com que o cassino prenda seus usuários nesses jogos através da criação do vício em apostas que é o principal motivo a manter as pessoas jogando no longo prazo.
A Ludomia ou jogo patológico se trata da doença cerebral dos compulsivos por jogos de azar. O mecanismo pelo qual esse vício funciona é o mesmo de outras dependências como álcool e drogas de maneira a criar um desejo incontrolável, não por uma substância, mas sim por jogar. A criação dessa fissura ocorre pelo estímulo do sistema de recompensas através da liberação de dopamina (Hormônio e neurotransmissor que dá a sensação de satisfação e prazer) ocorrida ao realizar ganhos.
Entretanto, esse sistema também pode ser ativado por mais elementos dos quais os jogos são ricos, como luzes piscando, sons intensos e antecipação da recompensa. O que faz com que quanto mais o usuário joga recebendo esses estímulos, mais ele provavelmente jogará em busca do prazer que essas apostas trazem.
Esquemas: Quem está por trás de sua popularidade?
Com a Lei das Quota Fixas de 2018 também foi permitido o patrocínio e as propagandas das empresas do mercado de apostas online. O principal setor no qual essas marcas colocaram seu dinheiro foi no do futebol, pois o público que faz apostas esportivas é o mesmo que assiste os jogos e que entrará em uma nova “Bet” por ela estar patrocinando seu time ou influencer favorito.

Entre os meses de janeiro e fevereiro do ano de 2024, 219 empresas do mercado investiram R$2,3 bilhões de reais em propagandas na TV (58%) e no digital (42%). A invasão das “Bets” nesse mercado é tamanha que as duas últimas edições do campeonato brasileiro receberam o nome de uma casa de aposta por ser o principal patrocínio. Outro dado que mostra isso, é o de patrocinadores dos clubes, todos contam com algum patrocínio dessas empresas, sendo que a maioria dos times da série A têm como patrocinador principal uma casa de apostas.
No ano de 2023 um escândalo trouxe os holofotes negativos para as apostas esportivas. A Operação Penalidade Máxima expôs os esquemas de manipulação (Os jogadores recebiam dinheiro de um grupo criminoso para provocar cartões e expulsões durante a partida) ocorridos nos jogos do brasileirão de 2022. Com 15 jogadores denunciados e 4 fazendo acordo com o Ministério Público (MP), a operação mostrou a facilidade de manipulação das apostas esportivas por parte de quem está dentro do jogo.
A CPI das Bets é uma comissão parlamentar de inquérito que está destinada a investigar o surgimento e crescimento das apostas online e seu impacto na população, junto também a possíveis envolvimentos com facções criminosas.
Todo esse cenário de vício e esquemas por trás das apostas online mostram o lado obscuro do mercado que não é divulgado em suas propagandas. Os mais afetados são sempre os mesmos, a população de renda baixa que coloca seu dinheiro com a esperança de aumentar seu capital, mas que no meio do caminho acaba por perdê-lo. Seja pelo azar dos jogadores, pela maneira de funcionamento dos slots ou por manipulações de todo o sistema, a casa sempre ganha. Mas afinal, quem são as pessoas da base da pirâmide que de maneira forçada sustentam todo o esquema.
As Pessoas Para Além Das Estatísticas
É possível entender como as “Bets” conseguem novos usuários através da forma em que suas propagandas funcionam: Famosos chamando o público para jogar na sua casa de aposta de confiança fazem o público que gosta dessas celebridades passe a confiar na empresa da publicidade e desperte sua esperança de ganhar dinheiro em tal plataforma. Ao juntar essa fórmula com a massiva quantidade de anúncios em todos os lugares é gerado uma grande entrada de novos jogadores todos os dias.
Para descobrir o que mantém os usuários utilizando essas plataformas, acessei os jogos e realizei apostas em uma casa de apostas legalizada (Não informarei o nome e como encontrar para evitar sua divulgação). Além da experiência pessoal, realizei entrevista com três jogadores para entender o que os mantém apostando.
João (Nome fictício) tem 20 anos e nasceu no Mato Grosso. Entrou no mundo das apostas online assim que atingiu a idade mínima que permite criar login nas plataformas (18), começando suas jogatinas tentando fazer um dinheiro extra para pagar suas contas. Ao ser perguntado sobre quanto do seu tempo é gasto com apostas, ele afirmou:
“Eu jogo com frequência de 3 a 4 horas por dia”
Mesmo dedicando várias horas por dia às apostas, seus ganhos e perdas se mantêm equilibrados. Sendo seu maior ganho de R$700 e sua maior perda também, contou que não para de jogar pela esperança de que em alguma hora ele ganhará uma grande quantia.
Pedro (Nome fictício), tem 27 anos e nasceu em Pernambuco. Por ver influencers ganhando dinheiro nas plataformas, tentou fazer o mesmo e começou a jogar, isso foi a cerca de 3 anos. Ao ser perguntado sobre suas maiores perdas ele relatou:
“Já realizei R$3.000, mas já perdi R$5.000”
Joga entre 40 minutos e 1 hora por dia quando tem dinheiro. Encerrou admitindo que não para de jogar pelo vício que possuí nos jogos.
A esperança de ganhar e recuperar tudo o que já foi perdido junto com a fissura do vício são os principais motivos que prendem jogadores às plataformas. Dessa maneira, todo esse mercado tende a crescer cada vez mais. Aumentando lucros, propagandas, esquemas, influências e gerando um prejuízo social cada vez maior no país.
Texto por: Ítallo Custódio
Infografia e ilustrações por: Maria Barreto