Terceira Jornada da Igualdade Racial mobiliza Tangará da Serra

Evento debate artes, inclusão e reconhecimento da cultura negra.

Promovida pelo Ponto de Cultura Flor, A terceira Jornada da Igualdade Racial iniciou sua programação na última quarta-feira (23) e seguiu na quarta-feira (30). Com uma série de atividades culturais, rodas de conversa e apresentações artísticas. O evento aconteceu no Centro Cultural Pedro Alberto Tayano Filho e em outros locais de Tangará da Serra, visando promover conhecimento sobre negritude na cidade e fortalecer a cultura afro-brasileira, trazendo a comunidade para espaços de trocas e aprendizados.

Na quarta-feira (23), o evento teve sua abertura com uma live transmitida pelo Ponto de Cultura Flor do Mato, dando início ao ciclo de discussões e reflexões. Já na quinta-feira (24), rodas de conversa aconteceram em instituições locais: a Escola Pedro Alberto Tayano recebeu o primeiro debate, com o tema “Desafios de ser jovem negro na sociedade atual”, e, em seguida, a Escola 13 de Maio promoveu um diálogo sobre o tema. Esses espaços trouxeram experiências e perspectivas sobre a vivência da juventude negra, abordando desafios sociais e identitários.

A identidade do jovem negro

Mary Costa, uma das organizadoras da III Jornada da Igualdade Racial, revelou que o evento deste ano tem como um dos principais focos a promoção do autoconhecimento e o fortalecimento da identidade entre os jovens negros. “Queremos ouvir sobre quais são os desafios desses jovens negros na cidade e como eles se reconhecem enquanto sujeitos em um contexto que ainda exige muita luta para o acesso a espaços como o mercado de trabalho e as universidades”. 

A programação, segundo Mary oferece a oportunidade de inserção cultural e artística, com apresentações como a do Grupo Mamulengo Sem Fronteiras, que traz a arte do teatro como ferramenta de resistência e reflexão. “A ideia é que o teatro e outras manifestações culturais ajudem a fortalecer essa mensagem, mostrando que a cultura é um espaço importante de resistência e visibilidade para a população negra”, afirmou. Além disso, Mary falou sobre os impactos dessa jornada para a comunidade: “Acredito que eventos como esse abrem os olhos da população para a presença de pessoas negras em espaços historicamente marginalizados. Quando a sociedade passa a perceber a ausência de representatividade em certos espaços, ela começa a se questionar e buscar formas de promover a igualdade de forma mais efetiva”, completou. 

Crescimento de público marca terceira edição da jornada

Jann Ribeiro, presidente do ponto de cultura For do Mato e do grupo de teatro Gruta, fala sobre a participação da comunidade nessa terceira edição. “As outras edições ainda estavam saindo do momento de pandemia, na primeira edição não teve um público grande no evento. Já nesse aqui, veio muita gente por causa do lançamento do filme. Mas tá sendo muito bacana, a galera comentando nas redes sociais sobre o filme, sobre as pautas que a gente levanta enquanto movimento racial artístico da cidade.” 

Jaan explica que o evento não delimita público-alvo: “Nós trabalhamos pra comunidade em geral. Tanto o ponto de cultura, quanto a biblioteca comunitária, as oficinas que a gente oferece, tudo é voltado pra todos. Essa questão da igualdade racial atinge a todos. Todo mundo deve sair da bolha do comodismo e ver que o que incomoda o outro também pode me incomodar. Eu posso levantar a bandeira e sair em defesa também, por direitos e por igualdade,” explicou.

Reconhecer-se como negro ainda é um desafio

William Garcia, organizador da Mostra, destaca que o principal objetivo do evento é gerar consciência sobre identidade racial. “O que eu mais espero é que as pessoas saiam com mais consciência de quem realmente são. Estivemos no Colégio 13 de Maio, em uma sala onde 95% dos estudantes eram pessoas negras ou pardas, mas pouco mais de 40% se declararam negras. Isso mostra como ainda há um distanciamento da própria identidade. A jornada da igualdade racial não é apenas sobre cor da pele, mas sobre o reconhecimento de pertencimento. Nosso papel é levantar essa discussão e ajudar as pessoas a se reconhecerem, a se afirmarem como negras, e entenderem sua história.” 

William informa sobre a continuidade da mostra em próximas edições “Este é o terceiro ano e já estamos pensando na quarta, na quinta edição e em muitas outras. Recebemos convites para levar a jornada para outras cidades do Mato Grosso, como Sorriso ou Sinop. A ideia é expandir. Eu mesmo estou participando pela primeira vez, junto com o filme Perifa Tangará, onde atuei como diretor de fotografia, registrando os momentos, produzindo imagens e vídeos, convidando o público e participando dos debates nas escolas. É um projeto que começou há três anos e ainda tem muito a crescer,” finalizou.

Papel do samba na luta racial

Representante do samba em Tangará da Serra, Edu Lima participou pela primeira vez da Jornada da Igualdade Racial como artista convidado. Para ele, sua arte é um instrumento de transformação social: “A nossa arte contribui para o debate sobre igualdade racial, porque o samba e o pagode já nascem das periferias, das favelas. Mesmo aqui em Mato Grosso, a gente se espelha em artistas que vieram de lá, como Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz, que tocavam em conduções para mostrar seu trabalho e alcançar o sucesso. Essa trajetória inspira e mostra que a arte preta tem força e origem. Em Tangará da Serra, vejo que esse resgate da cultura preta está acontecendo, especialmente com essa nova geração que vem chegando.”

Edu acredita que a comunidade pode fortalecer o movimento pela igualdade racial participando mais dos eventos culturais e das oficinas. “Falta um pouco de interesse ainda, mas com projetos como esse, que trazem representatividade e mostram importância, isso pode mudar”, afirma. Participar da jornada, segundo ele, tem um significado profundo: “Significa muito para mim. É o que sou, é o que vivo. Só quem é músico sabe o quanto enfrentamos preconceitos. Estar aqui hoje, representando o samba e levantando essa bandeira, é motivo de orgulho. A música fala por si só. Como diz a canção: ‘um sorriso negro, um abraço negro, traz felicidade’,” Concluiu. 

Expressões populares e danças urbanas como espaço de debate racial

Artista convidado da Jornada da Igualdade Racial, José Wellinton professor de coreografia, se apresentou com o grupo Os de Fora. Ele destaca a importância do evento e reforça seu compromisso com a causa: “Participar da jornada é de suma importância. A luta pela igualdade racial é antiga, travada por povos negros, indígenas e diversas comunidades. Eu, como homem branco e gay, reconheço que tive privilégios, mas isso não diminui a minha vontade de lutar junto. Acredito que esse movimento é para somar, para conectar. Eventos como esse são fundamentais, não só para Tangará, mas para todo o Estado.”

José acredita que sua arte contribui diretamente para o debate racial: “A arte é equilíbrio. Quando a gente trabalha com cultura popular, como os movimentos juninos ou as danças urbanas, estamos promovendo consciência. Essas expressões culturais ajudam a igualar aquilo que ainda é desigual.” Este ano, o grupo Os de Fora leva ao público uma homenagem especial: “Vamos apresentar um espetáculo inspirado no Rei do Baião, Luiz Gonzaga. É uma maneira de mostrar a força do Nordeste, de contar a história de um artista que enfrentou preconceito, mas transformou sua dor em cultura. A trajetória dele traz uma mensagem forte de resistência e orgulho,” complementou.

Ausência na Educação sobre Negritude

Idalina Meurer é professora na Escola Joana Torres, esteve presente no evento para aprender mais sobre a jornada da igualdade racial e levar esse conhecimento para escola. “Eu conheço o trabalho da Mary há muito tempo e, para mim, é muito importante participar. A arte é o que faz a diferença no mundo. Ela tem o poder de notificar as pessoas, de trazer felicidade, e é isso que busco aqui. Participar de atividades como essa é uma forma de trabalhar a diversidade de maneira mais direcionada dentro da escola em que atuo”.

Ela também falou sobre a importância da parceria do evento com as escolas: “Essa parceria é muito importante para nós, porque precisamos mostrar a afroidentidade para os alunos. Percebo que dentro da escola falta muito disso, e é exatamente o que vim buscar para levar tanto para a minha escola quanto para minha vida.” Ao ser questionada sobre a importância do evento para Tangará da Serra, ela enfatizou: “Precisamos falar mais sobre a importância da cultura e da diversidade, e dar mais espaço e visibilidade aos artistas da nossa cidade. Eventos como esse são necessários, e o apoio que podemos dar a eles é muito importante,” declarou Idalina.

Por mais visibilidade da cultura periférica

Ana Lúcia é professora na universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat) e também estudante de Jornalismo. Ela revelou motivações pessoais para estar no evento. “Tenho um irmão que é artista, meu pai também é artista, então a arte sempre fez parte da minha vida. E esse tema, envolvendo periferia e população negra, sempre mexeu muito comigo”, afirmou. Para Ana, são questões que envolvem preconceito e exclusão, e por isso precisam ser debatidas com mais frequência, incluída e visível. 

Ana destaca a importância de eventos como esse em cidades como Tangará da Serra. “A cultura da periferia quase não aparece. Então, dar visibilidade para o povo do bairro, para a cultura popular de quem é marginalizado, é uma forma de inverter as lógicas. Tirar esse povo do fundão e colocá-lo no palco, como estrela da festa.” Ao final, deixou um convite para quem ainda não participou: “Venham! Curtam essa cultura, descubram os artistas de Tangará. Aprendam que Tangará da Serra não é só agro, não é só gado. Aqui tem cultura popular, tem cultura da periferia e ela precisa ser consumida,” ressaltou.

A programação da Mostra Jornada da Igualdade Racial seguiu diversificada até o encerramento na quarta-feira (30). No sábado (26), o destaque foi o ensaio geral do teatro Grutta no Ponto de Cultura Flor do Mato, seguido pelo Diálogos na Roda sobre o papel da capoeira na promoção da igualdade racial, com Mestre Bicudo e a aluna Nega Mary. No domingo (27), a capoeira esteve em foco no Parque da Família, com a oficina “Preparação do Corpo e Mente” às 9h e o bate-papo “Ritmos da ancestralidade” às 10h. Na segunda-feira (28), o espetáculo “Exemplos de Bastião”, do grupo Mamulengo Sem Fronteira, foi apresentado no Teatro Municipal do Centro Cultural para escolas municipais. Na terça-feira (29), a peça retornou com sessões às 9h na Escola 13 de Maio e às 19h30 no Teatro Municipal, aberta à comunidade. Encerrando a jornada, a última apresentação da mostra ocorreu na quarta-feira (30), às 19h30, no Teatro do Centro Cultural, apresentando o espetáculo “Exemplos de Bastião”.

Taciana Maria: Reporter e redatora

Anny Renata: Reporter e editora

Cicero Borges: Reporter

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