@fonsli Semana de provas On 🥲 #odonto #dentistica #ritalina
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“Na sociedade disciplinar, o sujeito era oprimido pelo poder externo e pela repressão. Na sociedade de desempenho, o sujeito é oprimido pela sua própria performance. Ele já não é mais um ser passivo, mas um ser ativo que se exige constantemente, sempre buscando ser mais produtivo, mais eficiente, mais rápido.”
Sociedade do Cansaço, Byung-Chul Han.

Nos últimos anos, se tornou muito comum o uso de psicoestimulantes – remédios que agem no Sistema Nervoso Central, liberando dopamina e melhorando a concentração. Geralmente, os medicamentos usados como estimulantes cerebrais são os mesmo usados para o tratamento de Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperfoco (TDAH), em especial o cloridrato de metilfenidato, vendido no Brasil como Ritalina.
Com a promessa de melhorar a atenção, o fármaco ficou famoso entre aqueles que se sentem sobrecarregados com suas respectivas funções, em especial estudantes – universitários e concurseiros. Em época de vestibular, principalmente, se ouve com frequência pessoas relatando o uso da Ritalina para se concentrar nos estudos e até mesmo na hora das provas.
Uma pessoa que fez o uso não-terapêutico da Ritalina durante um certo período – que será identificada no decorrer desta reportagem como “Xanax” – conta que conhecia o medicamento e seus efeitos por estar familiarizado com outros tipos de remédios. Ainda muito novo, foi diagnosticado com algumas condições emocionais e receitado diversos fármacos, entre eles o Zolpidem – que é tão famoso quanto a Ritalina.
Xanax diz que sabia que crianças com TDAH faziam tratamento com o metilfenidato e seu interesse despertou após ouvir um adolescente relatar que, durante o tratamento, seu rendimento na escola melhorou significativamente. Ele conhecia uma pessoa que tomava Ritalina. Essa pessoa lhe ofereceu dois comprimidos e Xanax tomou para fazer um teste. “Eu pensei que com tantas responsabilidades que eu tenha, tanta coisa para fazer, trabalhando intelectualmente, talvez (o remédio) possa me ajudar em outras questões. Prestar mais atenção, ser um pouco mais assertivo nos pensamentos”.
Ele diz que o teste foi bem sucedido, não apenas na melhora de seu desempenho, mas também com a sua ansiedade, até mais do que com os remédios receitados para este fim. Apesar do metilfenidato não ser usado para tratar ansiedade, Xanax conta que, quando tomava o comprimido, se “sentia pleno”. “Eu sentia, durante quatro, seis horas, bastante estímulo para fazer as coisas”, ele alega.
A princípio pode parecer inofensivo. Um remédio que ajuda as pessoas a se concentrarem em suas atividades. Que mal tem? Mas há um motivo para ter uma tarja preta na caixa.

Ano passado, em 2023, as farmácias brasileiras chegaram a ficar sem Ritalina por conta da alta demanda, o que gerou grande preocupação naqueles que faziam uso. Alguns disseram que a falta do fármaco foi causada pela grande procura por pessoas sem o diagnóstico de TDAH.
Xanax foi uma dessas pessoas.
Contente com os resultados do consumo da Ritalina, ele pensou “por que não procurar uma forma de conseguir a Ritalina?”. Porém, em nenhum de seus diagnósticos constava Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperfoco.
De acordo com a Portaria n° 344, de 12 de maio de 1988, a prescrição e venda de psicotrópicos – como é classificado o metilfenidato – só podem ser feitas com a Receita “A”. Trata-se de um papel de cor amarela, tamanho 20 x 10 cm, com um número de série, todas as informações do paciente, identificação do médico e do vendedor.
Para adquirir o talonário, o médico precisa preencher e assinar uma requisição da Vigilância Sanitária.
Mas se é tão burocrático conseguir essa receita, como pessoas não diagnosticadas com TDAH conseguem comprar metilfenidato?
Com usuários da Ritalina assegurando a melhora do desempenho acadêmico, é de praxe que muitas pessoas relatem nas redes sociais o desejo de comprar o medicamento. Através dessas postagem, pessoas que vendem a receita ou até mesmo o próprio remédio se manifestam.


Foi assim que Xanax conseguiu mais do fármaco sem a posse de um laudo de TDAH e de uma receita amarela. “Fazendo uma pesquisa no Twitter, eu encontrei um perfil que era ‘vendas de remédios naturais’, de outro estado. Tinham alguns comentários que levavam a entender que aquilo ali não era só remédio natural. Era para remédios que precisam de receita e laudo, mas você só pagava e chegava na sua casa”, conta.
Xanax também explica que antes de comprar dessa forma, ele encontrou perfis que vendiam a receita e a pessoa que solicitou ia até a farmácia comprar com ela. Porém, quando tentou isso, o farmacêutico identificou a inautenticidade da receita e exigiu uma verdadeira, caso contrário, Xanax seria denunciado. Em consequência desse episódio, ele passou a comprar diretamente com a empresa de fachada de remédios naturais, pois, além de não enfrentar problemas com as drogarias, a aquisição dos medicamentos era garantida. “Eles mandavam o código de rastreio e chegava pelo correio, num envelopinho, como se não fosse nada”, afirma.
De acordo com Xanax, essa prática já tem um tempo e que não recorre mais a esses meios, mesmo ainda querendo Ritalina para trabalhar e estudar. “Hoje eu compraria sem culpa, mas de forma legal”, enfatiza.
Mas nem todos pensam assim. Ao fazer a mesma pesquisa que Xanax, é possível encontrar perfis oferecendo uma receita ou a própria Ritalina para aqueles que, mesmo superficialmente, demonstram interesse.
Acessando essas páginas, consegue-se ver prints de conversas via WhatsApp onde alguém entra em contato com o dono da conta pedindo uma receita (azul ou amarela), faz a transferência do valor e recebe um pdf com a receita solicitada. Algum tempo depois, o solicitante manda fotos das caixas dos medicamentos comprados. Essas conversas são usadas pelo fornecedor como provas de referência.



Afinal, a Ritalina realmente melhora os estudos?
A Ritalina de fato aumenta os níveis de concentração daqueles que a consomem, mas não necessariamente a pessoa vai se concentrar em suas atividades. Alguns internautas relataram nas redes sociais: “tomei Ritalina para estudar e fiquei horas jogando The Sims” e “hiperfocada pintando minha tatuagem com marca texto uma hora depois de ter tomado ritalina para estudar”.
Um estudo feito pela Universidade de Cambridge e a Universidade de Melbourne mostrou que o uso do metilfenidato – e outros medicamentos usados como psicoestimulantes – feito por pessoas neurotípicas (aquelas que não apresentam distúrbios ou transtornos neurológicos) pode estar, na verdade, restringindo suas performances e capacidades.
Para a pesquisa, 40 participantes tomaram uma das três “drogas da inteligência” mais famosas ou um placebo. Aqueles que tomaram o metilfenidato, demoraram cerca de 50% a mais para fazer as atividades atribuídas a eles do que quando tomaram o placebo.
A pesquisadora do Centre for Brain, Mind and Markets, da Universidade de Melbourne, e autora principal do estudo Elizabeth Bowman afirma que “a pesquisa mostra que drogas que se espera que melhorem a performance cognitiva dos pacientes podem, na verdade, estar fazendo com que usuários saudáveis trabalhem mais enquanto produzem uma qualidade de trabalho inferior em período de tempo mais longo”.
Outro estudo, desta vez feito no Brasil pela psicóloga Silmara Batistela, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e somente com metilfenidato em doses diferentes, aponta que o medicamento não traz nenhum benefício em jovens sem TDAH.
Perigos e escapes do metilfenidato
Assim como todo medicamento, o cloridrato de metilfenidato também possui muitos efeitos colaterais. Segundo a farmacêutica Raquel Vitória, o uso da Ritalina pode causar: diarréia, agressividade, náusea, boca seca, entre outros. Uma pessoa que usa de forma recreativa vai ter todos os efeitos comuns e, ainda, corre risco de desenvolver um vício.
Raquel contou que já teve que lidar com um cliente viciado no medicamento, que chegava até a amassar os comprimidos e cheirar o pó.
A farmacêutica desaprova o uso do remédio para fins não-terapêuticos e diz que há outras formas para se concentrar melhor, formas naturais e mais saudáveis, tais como: magnésio, cálcio e vitamina K2 e B12.
Seu conselho para quem está pensando em recorrer ao medicamento devido a pressão acadêmica é: “não use a Ritalina. Você pode estudar muito agora e depois não ter sua capacidade de raciocínio, de pensamento mais tarde”.
Texto: Danielly Ferreira