O abandono de animais no campus da UNEMAT de Tangará da Serra

Negligência social com os animais desafia instituição a adotar medidas de segurança e proteção.

Foto: Cícero Borges.

A presença de animais abandonados em espaços públicos é um problema crescente em muitas cidades brasileiras. No campus da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), em Tangará da Serra, a situação tem se tornado cada vez mais visível e preocupante. Cães e gatos circulam livremente pelos corredores, jardins e áreas comuns da instituição, buscando abrigo, alimento e atenção. Embora acolhidos por parte da comunidade acadêmica, esses animais evidenciam uma questão séria: a negligência social com a vida animal.

De acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil possui mais de 30 milhões de animais abandonados, sendo 20 milhões de cães e 10 milhões de gatos. Essa realidade nacional também se reflete no campus da universidade. No Brasil, o abandono de animais é crime desde 1998, de acordo com a Lei Federal 9.605/98. Em 2020, com a aprovação da Lei Federal 14.064/20, teve-se o aumento da pena de maus-tratos com reclusão de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda, quando se tratar de cão ou gato.

O Conselho Federal de Medicina Veterinária, por meio da Resolução CFMV nº 1.236/2018, Art. 2, II, define como maus-tratos:  

 “qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais.”

Segundo o guarda Desdeste Ferreira, que trabalha na UNEMAT há mais de 15 anos, a ausência de muros facilita a entrada de animais de sítios vizinhos. Ele destaca um cão, conhecido como o “mascote do campus”, que vive ali há cerca de oito anos e já ajudou na detecção de um ladrão tentando invadir a universidade. “Ele já é patrimônio da universidade”, afirma Desdeste.

As medidas de segurança e desafios 

Cão dorme na área verde da Unemat. Foto: Cícero Borges

Para tentar conter essa situação, a universidade tem investido em medidas de segurança. Segundo o diretor administrativo André Ricardo Cajazeiras, foram instaladas câmeras de alta tecnologia, com alcance de até 2 quilômetros, que ajudam na identificação de pessoas que abandonam animais no campus. “São câmeras muito boas, que vão nos fornecer imagens precisas desses pessoal que venham a abandonar esses animais aqui,” explicou André. No entanto, ele alerta que, até o momento, não foi possível identificar ninguém. “Se a gente já chegou a identificar alguém? Ainda não. Mas ao identificar, podemos fazer denúncias e boletins de ocorrência,” disse.

Ele explica que, embora a UNEMAT ainda não possua instrumentos legais específicos para punir abandonos, há mecanismos internos para responsabilizar alunos ou servidores ligados à instituição, caso sejam identificados como responsáveis. “Podemos até recorrer a colegiados acadêmicos para tratar do assunto, mas o principal desafio é conseguir provas e imagens que apontem os culpados”, comenta.

André ressaltou que a maioria dos abandonos não é feita por pessoas ligadas à universidade, como alunos ou funcionários, mas por pessoas externas, o que dificulta a penalização. “Se for alguém da UNEMAT, temos meios para punir, mas quando é externo, dependemos das imagens para encaminhar à polícia,” afirmou.

Gatos e cachorros circulam livremente pelo campus. Foto: Cícero Borges.

Outro desafio apontado pelo diretor é o fato de o campus estar localizado em uma área rural e aberta, permitindo a entrada de predadores naturais como raposas e cachorros do mato, que podem causar a morte dos animais abandonados. Por conta disso, a universidade estuda a possibilidade de cercar o campus, com o objetivo de dificultar a entrada de animais e, consequentemente, reduzir o abandono.

O poder público de Tangará da Serra demonstrou interesse na causa, promovendo campanhas de castração para controlar a população de animais abandonados no campus. A prefeitura também informou que os animais da UNEMAT serão incluídos na fila de atendimento do Castra móvel, garantindo que aqueles que ainda não foram castrados recebam o procedimento. “A prefeitura esteve no campus para realizar levantamentos visando futuras castrações”.

UNEMAT não é abrigo

André ressalta que há um movimento importante na cidade, com organizações e grupos comunitários que auxiliam na alimentação e cuidado desses animais no campus, inclusive com doações de rações e instalação de pequenas casinhas para abrigá-los. “Porém, isso pode acabar incentivando as pessoas a deixarem seus animais aqui, acreditando que eles serão cuidados, e essa não é a finalidade da universidade”, alerta. Ele reforça: “A finalidade da UNEMAT não é cuidar de animais. Não somos uma instituição especializada nisso, mas um espaço educacional.”

Ainda assim, ele reconhece que muitos dos animais estão bem cuidados, alimentados e até ajudando no cotidiano da universidade. “Tem animais que vivem aqui há anos e que já são, de certa forma, membros da comunidade acadêmica, como o mascote que auxilia até no monitoramento noturno”, relata o diretor. “A situação é complexa, porque a comunidade acadêmica tem feito campanhas de arrecadação para compra de ração e cuidados veterinários, mas precisamos garantir que isso não se torne um incentivo ao abandono,” Concluiu. 

Coordenador do curso de Biologia Diones Krinskis, explica que a situação dos animais abandonados na universidade passa por fases, com momentos de aumento e estabilização no número de gatos e cachorros. Segundo ele, durante a pandemia houve um pico de cerca de 37 gatos abandonados, mas o número foi reduzido devido  às ações de castração e adoção, chegando atualmente a aproximadamente 15 animais no campus. “A maioria das vezes são filhotes, e a gente até tira foto e divulga no grupo da universidade para tentar achar adotantes, que geralmente conseguem ser adotados rápido”, comenta. Já os gatos adultos e mais ariscos tendem a permanecer no local por mais tempo, devido à dificuldade de adaptação e adoção.

Abandono de animais no campus se tornou parte da paisagem cotidiana. Foto: Cícero Borges.

Em períodos como feriados prolongados e férias, o abandono de filhotes aumenta significativamente, muitas vezes dobrando o número de animais. “A maioria das vezes são filhotes, e a gente até tirar foto e divulga no grupo da universidade para tentar achar adotantes, que geralmente conseguem ser adotados rápido”, explica. Já os gatos adultos e mais ariscos tendem a permanecer no local por mais tempo, pois têm mais dificuldade para adaptação e adoção.

Vaquinha como mobilização acadêmica

Além disso, uma vaquinha virtual foi organizada para arrecadar fundos destinados à alimentação e castração dos animais. “Tem professores, técnicos e alunos que contribuem com valores variados, como R$ 2, R$ 5, R$ 10, e sempre que a ração está acabando fazemos uma pesquisa para comprar onde está mais barato. Quando chegamos no valor, paramos a arrecadação e compramos a ração”, explica. Ele ressalta que, além da alimentação, o grupo também arrecada fundos para cuidados veterinários, principalmente quando algum animal se machuca, como aconteceu com um cachorro que precisou de cirurgia no olho devido a brigas com outros cães no campus.

Nos últimos tempos, também foi registrada a presença de cachorros abandonados, algo que antes não era comum. Um dos cães, que vive no campus há oito anos, virou “patrimônio” dos seguranças e auxilia até na segurança, alertando para a presença de pessoas estranhas à noite. “Eles são o alarme da universidade e já ajudaram a pegar alguém tentando entrar para roubar equipamentos”, conta Diones.

O professor ainda destaca que, apesar das dificuldades, principalmente no final do mês, quando muitos ainda não receberam seus salários, o grupo nunca deixou faltar recursos para a alimentação dos animais. “A colaboração da comunidade acadêmica é essencial para o cuidado contínuo dos animais abandonados”, afirma.

Frente à ausência de uma solução definitiva, a convivência com os animais se tornou parte da rotina da UNEMAT. No entanto, essa realidade exige responsabilidade, ações concretas e, principalmente, conscientização para evitar que a universidade seja vista como um local apropriado para o abandono de animais. Como alerta André Ricardo: “Queremos alertar a todos que a UNEMAT não é lugar para abandonar animais. Se puder, adote um deles e dê um lar de verdade”.

Infográfico: Taciana Maria

Repórter e Fotógrafo: Cícero Borges

Repórter: Taciana Maria

Editora: Renata Alves

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