Acadêmicos de Jornalismo promovem a III Mostra Jornalismo e Igualdade Racial, com discussões sobre representatividade, mídia e combate ao racismo, em evento realizado no auditório da UNEMAT em Tangará da Serra. Foto por: equipe de fotojornalismo.
O Centro Cultural Pedro Alberto Tayano Filho, em Tangará da Serra, foi palco da exibição de estreia do documentário Perifa TGA, dirigido por Mary Costa. A apresentação integrou a terceira edição da Mostra da Igualdade Racial, evento realizado pelo Ponto de Cultura Flor do Mato, que promove debates sobre práticas e políticas públicas voltadas à equidade racial. O filme foi realizado com recursos da Lei Paulo Gustavo e do edital Cidade das Artes, com verba oriunda da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB).
Além de ser uma janela para a arte produzida fora do circuito central, o filme também funciona como diagnóstico social e cultural. Ao evidenciar as dificuldades enfrentadas por artistas periféricos, desde a distância geográfica até a exclusão em editais públicos. A obra convida o público a repensar o que se entende por acesso à cultura em cidades do interior.
Produção e bastidores
Organizadores do documentário Perifa TGA e da Mostra da Igualdade Racial se apresentam ao público após a exibição da obra, no auditório da Unemat em Tangará da Serra, no dia 25 de abril. O encontro promoveu reflexões sobre representatividade, juventude periférica e mídia. Foto por: Betany de Freitas. #paratodosverem: Cinco pessoas estão em pé sobre o palco de um auditório. Da esquerda para a direita: um homem com camisa branca aberta e calça clara; um homem com cabelos cacheados longos, vestindo camiseta vermelha; um homem com roupas pretas, punho cerrado próximo ao peito; uma mulher de vestido verde-limão; e uma mulher com cabelo black power, blusa branca e calça vermelha, segurando um microfone. Atrás deles, uma projeção colorida com imagem de punhos erguidos e entrelaçados.
Mary Costa dirigiu seu primeiro documentário com uma equipe reduzida, segundo ela, o principal desafio foi aprender a organizar uma produção audiovisual. As dificuldades envolveram o cronograma de gravação, definição de cenas e montagem. O tempo de exibição (45 minutos), limitou a quantidade de artistas que puderam ser incluídos.
Nega Mary contou com o apoio técnico de Pither Lopes, teve Priscila Lopes como produtora executiva, Willian Garcia de diretor de fotografia que teve João Aquino como assistente de imagem e Irineu Marcelo que contribuiu como assistente de produção.
A seleção de participantes foi feita diretamente nos bairros, por meio de indicações da comunidade. A equipe perguntava aos moradores quem produzia arte na região. Foram encontrados artistas plásticos, músicos, dançarinos, poetas e produtores independentes, alguns sem formação formal na área cultural. O critério de escolha foi a atuação contínua desses sujeitos dentro de seus territórios.
“foi em diálogo, foi na busca, foi no papo. E do ponto de conhecimento que eu tinha também, porque eu cresci nesse ambiente, né? Eu sou da periferia e a gente se conhece só de olhar, né?”
Mary Costa
Abordagem e objetivo
Mary Costa, diretora do documentário, apresenta a obra com firmeza e sensibilidade, destacando a potência da arte como ferramenta de resistência e representatividade. Foto por: equipe de fotojornalismo. #ParaTodosVerem: Mulher negra de cabelo crespo preso no alto segura um microfone enquanto fala ao público. Ela veste uma camiseta branca estampada e calça vermelha. Ao fundo, há uma projeção com ilustração de mãos unidas em sinal de luta e coletividade.
“A cidade não conhece a potência dos artistas que vivem e produzem nas regiões mais afastadas.”
Mary Costa
Mary afirmou que a proposta do documentário surgiu ao observar que artistas da periferia raramente são incluídos em políticas públicas de cultura ou convidados a ocupar espaços formais como o Centro Cultural, principal referência artística de Tangará da Serra. Para mapear essas vozes, ela percorreu bairros como Jardim dos Ipês, Barcelona, Tarumã e Jardim Califórnia, buscando nomes indicados pelos próprios moradores.
A seleção envolveu músicos, escritores, dançarinos e artistas visuais que atuam localmente, mas enfrentam barreiras como ausência de transporte, dificuldade para compreender e acessar editais, falta de equipamentos culturais nos bairros e escassez de oficinas gratuitas de formação. A diretora destaca que a maioria desses criadores atua de forma autônoma e utiliza espaços informais, como garagens, quintais ou escolas públicas para desenvolver e apresentar suas produções.
Percepção dos artistas
Entre os artistas retratados está Hyuri Sandri, artista plástico de Tangará da Serra, que participou do documentário compartilhando sua trajetória e relação com o território onde vive e produz. Para ele, a experiência de participar do Perifa TGA foi uma forma de afirmação social e artística, permitindo que seu trabalho ganhasse visibilidade fora dos limites da periferia. Em sua fala, ele destaca que ser incluído em um projeto cultural voltado para artistas locais representa uma validação significativa, sobretudo diante da escassez de políticas públicas que promovam a arte produzida nas margens da cidade.
“A proposta de visibilidade por meio do documentário mostra que fomos, de fato, enxergados”
Hyuri Sandri
Hyuri, um dos artistas retratados no documentário, recebe o carinho e reconhecimento do público por sua trajetória inspiradora e expressiva. Foto por: equipe de fotojornalismo. #ParaTodosVerem: Jovem de pele clara, cabelo cacheado e escuro sorri em pé entre cadeiras vermelhas. Ele veste camisa branca aberta por cima de uma regata, e calça clara. Ao fundo, uma parede de madeira escura compõe o ambiente.
Hyuri também avaliou como fundamental a decisão da diretora Mary Costa de buscar protagonistas nos bairros periféricos. Ele considera a escolha uma resposta necessária ao atual cenário, em que grande parte da produção cultural ainda é centralizada e pouco diversa. Para ele, iniciativas como essa ajudam a romper a invisibilidade de artistas que, apesar de atuarem há anos em suas comunidades, raramente são reconhecidos por instituições culturais ou incluídos em eventos oficiais. “A escolha de artistas periféricos foi extremamente relevante”, reforçou o artista
Comoção do público
Público acompanha a Mostra da Igualdade Racial no auditório da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), em Tangará da Serra. A atividade integrou a programação de debates e exibições audiovisuais com foco nas questões étnico-raciais. Foto por: equipe de fotojornalismo. #paratodosverem: Foto de plateia em auditório com poltronas vermelhas. Pessoas de diferentes idades estão sentadas, algumas conversando, outras com o celular na mão. O ambiente é levemente escuro, com foco de luz vindo do chão na parte inferior da imagem. Ao fundo, as paredes são de madeira escura.
Durante a exibição do filme, o público presente demonstrou envolvimento com os relatos apresentados. Um dos entrevistados após a sessão foi DionesKrinski, professor de biologia, estudante de jornalismo da Unemat e ex-professor de dança no Centro Cultural durante os anos 2000. Ao assistir ao documentário, Diones reconheceu conexões diretas com seu próprio histórico na cultura local, especialmente com as ações que desenvolvia em bairros periféricos por meio de oficinas e apresentações de dança. Segundo ele, o documentário resgatou experiências semelhantes às que vivenciou ao lado de outros jovens artistas da cidade, revelando a permanência de um esforço coletivo que vem de longa data, apesar da falta de apoio institucional.
Ele ressaltou que Perifa TGA traz à tona uma produção cultural que continua viva, mas que raramente alcança os circuitos formais de reconhecimento. Para Diones, o documentário cumpre uma função importante ao registrar essas vozes, sobretudo porque evidencia que os artistas retratados seguem atuantes, mesmo que invisibilizados. Ele destacou ainda que muitos dos personagens filmados são de bairros onde já atuou como educador, o que reforça a importância de dar continuidade a projetos que fortaleçam a cultura local. “Muitas vezes, a gente não sabe que Tangará tem tantos artistas de diferentes áreas”, observou, apontando a relevância de políticas públicas que ampliem o alcance dessas narrativas.
Políticas públicas e financiamento
O documentário foi financiado com recursos da Lei Paulo Gustavo, criada para mitigar os impactos da pandemia no setor cultural brasileiro. A legislação destinou R$ 3,8 bilhões para estados e municípios, com foco em produções audiovisuais, manutenção de espaços culturais e ações de formação. Em Tangará da Serra, o filme também contou com apoio do edital Cidade das Artes, ligado à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo.
Mary destaca que, sem esse financiamento, dificilmente o filme teria sido realizado. Ela também manifestou a intenção de fazer uma continuação, já que o tempo do filme não permitiu apresentar todos os artistas mapeados.
Continuidade e memória
Perifa TGA foi projetado como um documentário introdutório. A equipe prevê uma segunda edição, com mais entrevistas e retratos de artistas de outras regiões do município. O projeto atua como registro de memória e também como provocação à política cultural municipal. A diretora conclui que há produção artística ativa na periferia de Tangará da Serra, mas que ela ainda precisa ser reconhecida pelo poder público, instituições e população
A exibição de Perifa TGA revela não apenas a existência de uma produção cultural rica nos bairros periféricos, mas também escancara as lacunas históricas de reconhecimento institucional e de acesso a políticas públicas continuadas. O filme evidencia que, enquanto parte significativa da cultura local permanece invisível aos olhos das estruturas formais, a periferia segue criando, resistindo e moldando identidades. O desafio agora é transformar esse registro em ação concreta, para que iniciativas como essa deixem de ser exceção pontual e passem a integrar, de forma estruturada, o planejamento cultural da cidade.
Equipe: Repórter: Kaick Klaivert / Edição: Nicolli Aguiar / Fotografia: equipe de fotojornalismo
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