
Naquele fim de tarde do dia 26 de outubro, em meio à multidão, estava eu perdido, mesmo com uma amiga, quando minha companheira de caminhada chegou. No ponto de partida mais de quatro mil pessoas se fundiam em uma só cor, tornando-se quase irreconhecíveis. Entre encontros e desencontros, íamos identificando amigos e conhecidos. Abraços e sorrisos tomavam conta do lugar.
Enquanto conversávamos, um homem e uma mulher, em cima de uma Kombi velha, nos convidavam a alongar. Em forma de brincadeiras, fomos nos preparando. Com a bênção do frei, partimos para o itinerário de 40 quilômetros.
O começo da caminhada
Passamos por uma mulher vestida de Maria e sob o seu manto azul. Após a rotatória, na esquina da rua 3, um motorista impaciente forçava a passagem. Conversando fomos ficando para trás, enquanto outros apressados nos ultrapassavam.
Como já anoitecera, a estrada ficou sem iluminação. Para meu companheiro a caminhada começava ali. Apenas as luzes das lanternas brilhavam no breu. Por isso, decidimos que eu, por ser mulher, conversaria com as mulheres e ele com os homens.
Vimos três pessoas com radiocomunicadores e puxei conversa com o rapaz mais novo. Ele explicou que eram familiares e que o rádio dava mais liberdade para caminhar, assim um podia cuidar do outro, mesmo a distância. É a terceira vez que eles participam do evento.
Meu companheiro de caminhada viu uma senhora carregando uma imagem branca de Nossa Senhora Aparecida, e eu pedi para tirar uma foto. Durante todo o percurso, víamos muitas pessoas com imagens e terços nas mãos, como forma de pedido ou agradecimento.
Primeira parada
Chegando na Linha 12, como a comunidade é conhecida, as luzes dos postes já clareavam a estrada. Fizemos uma parada. Um amontoado de pessoas para tomar água, orar e ir ao banheiro da igreja. Fui ao banheiro feminino, mas a fila estava enorme, desisti. Ele foi rápido, a fila para os homens estava pequena. Resolvi ir ao banheiro do bar que fica em frente, pois a fila estava menor.
Uma senhora que estava na fila, rudemente causou atritos com as demais. Mas consegui ir. Sentado na frente do local, enquanto esperava, via muitos chegarem no bar e pedirem água para comprar. A resposta do atendente era sempre a mesma: “acabou”.
Devoções
Seguimos na MT 480. Vimos uma pessoa enrolada na bandeira do Brasil, com vários nomes de pessoas grudados. Chamou a atenção a palavra “Oncomed”. Abordei aquela outra mulher e perguntei o significado dos nomes. São pessoas que se curaram do câncer ou que estavam em tratamento com ela pela segunda vez, ela explicou.
De repete, ouço uma música que sou apaixonado. Era a música do nosso Acampamento1. Eu e ela somos irmãos de tribo. Era um casal, que de uma forma muito gentil, reiniciou a música e aumentou o som. Ah! A música é Acalma a Minha Tempestade, do Frei Gilson.
Segunda e terceira paradas
Um pouco a frente, uma caminhonete no acostamento distribuía água. Algumas pessoas tiravam os calcados para ver como estavam os pés. Outras passavam remédios nas pernas para aliviar as dores.
Percebíamos vários sitiantes parados observando quem passava. Eram pessoas sozinhas ou até famílias inteiras. Uma das famílias ofereceu café para ajudar a dar uma energia aos peregrinos. Paramos. Apenas eu tomei, meu companheiro não bebe café.
A organização planejou pontos de apoio para os peregrinos. Na primeira caminhada foram 440 inscritos, já na quinta edição, dez vezes mais participantes. Instituições distribuíam água, refrigerante e comida, aproveitávamos cada doação, mas levamos nossas águas e uma garapa para dar energia.
A chuva cai
Às 20h52 alguns pingos começaram a cair. Quando estávamos chegando em um dos pontos de apoio, o céu se abre em água. Paramos para proteger nossos pertences. Só minha companheira estava com capa. Já íamos seguir quando uma mulher oferece uma que havia levado a mais. Coloquei e partimos.
Mal dava para ver quem estava na nossa frente. Naquela escuridão chuvosa, de mãos dadas, apertamos os passos. As lanternas foram deixadas de lado e a escuridão tomava conta. Só era quebrada por relâmpagos que clareavam o céu.
A decisão de parar
Chegamos a mais um ponto de apoio. A chuva diminuía sua intensidade. As filas dos banheiros femininos estavam longas. Como estávamos molhadas, demorávamos mais. Esperei. Nós homens preferimos ir no mato para ceder nossos banheiros as mulheres.
Pelo de tempo que fiquei na fila, nossos corpos esfriaram. Decidimos encerrar ali nossa peregrinação. Caminhamos por 22,9 quilômetros, em 4h01.
Sentamos a espera de uma carona. Parou uma caminhonete que nos levaria até a praça da Bíblia. Embarcamos. Éramos onze pessoas amontoadas e apertados naquela carroceria.
Chegamos à praça as 23h13. Lá nos despedimos e cada um foi para sua casa. Cansados, molhados e gratos.






Texto: Marcileni Gaudêncio e John Muller
Imagens: Marcileni Gaudêncio e John Muller
Edição: John Muller
- Acampamento é um retiro espiritual da Igreja Católica presentes em várias cidades do país ↩︎