Quando a manchete cala: cobertura sobre a exclusão de atletas trans em MT

Propostas de lei que buscam excluir pessoas trans do esporte feminino ganham espaço em cidades de Mato Grosso, mas a imprensa local falha ao não garantir pluralidade e respeito aos direitos humanos.

Câmara Municipal de Tangará da Serra.
#Paratodosverem: imagem mostra a fachada da câmara municipal de Tangará da Serra.

Está tramitando a na Assembléia Legislativa de Cuiabá a PL 292/2025 do vereador Rafael Ranalli (PL) que determina que o sexo biológico seja o único critério para definir o gênero de competidores em partidas esportivas oficiais do município de Cuiabá. Se aprovado, atletas transgênero ficarão impedidos de participar de equipes que não correspondem ao seu sexo de nascimento. Em Tangará da Serra o mesmo projeto de lei foi apresentado pelo vereador Escobar (PL) para ser votado na sessão do dia 17 de junho de 2025. Diferente de Cuiabá, onde a proposta ainda está em discussão, em Tangará a votação foi marcada sem grande divulgação e sem debate público prévio.

Ao saberem da tramitação, estudantes e apoiadores dos direitos LGBTQIA+ se mobilizaram e convocaram a população para comparecer à Câmara no dia da votação. A ideia era clara: fazer com que a voz da comunidade fosse ouvida e que o projeto não passasse de forma silenciosa. A mobilização nas redes sociais mostrou engajamento e preocupação com os rumos das políticas públicas no município.

O que chamou atenção, porém, foi o silêncio da imprensa local. Nenhum portal ou veículo tradicional da cidade fez cobertura prévia da tramitação do projeto. Não houve matérias explicando o conteúdo da proposta, nem entrevistas com pessoas que seriam diretamente afetadas por ela. Tampouco foram ouvidos especialistas da área do esporte, da saúde ou do direito.

Essa omissão representa uma falha ética séria. O jornalismo tem como compromisso central o interesse público. Quando um projeto de lei interfere diretamente na vida de um grupo social neste caso, as pessoas trans, é dever da imprensa tratar o tema com profundidade, responsabilidade e pluralidade. Ignorar esse papel enfraquece a democracia e contribui para a invisibilidade dessas minorias.

Na cobertura de veículos de Cuiabá, como o portal Olhar Direto, o projeto de lei é apresentado com destaque para a fala do vereador autor, que argumenta que a presença de mulheres trans em categorias femininas representaria “vantagem desleal”. No entanto, a matéria não apresenta contrapontos, nem escuta especialistas ou representantes da comunidade trans. A ausência dessas vozes contribui para uma narrativa incompleta e enviesada.

Além de ouvir todas as partes envolvidas, a cobertura ética exige que o jornalista saiba contextualizar. Projetos como os apresentados em Cuiabá e Tangará não são casos isolados, mas parte de um movimento político nacional que tenta restringir direitos sob a justificativa de “proteção do esporte feminino”. O jornalismo ético tem a obrigação de revelar essas conexões.

O uso da linguagem também precisa ser cuidadoso. Termos como “sexo biológico” devem ser explicados. Palavras como “transgênero” devem ser utilizadas com respeito e correção. A reprodução de falas que associam atletas trans a “doping” ou “injustiça” precisa ser confrontada com dados científicos e com experiências reais de atletas que vivem essa realidade.

Em vez de informar, a imprensa de Tangará optou pelo silêncio e isso também é uma forma de se posicionar. Omissão, nesse caso, também é tomar partido. É claramente se recusar a cumprir o papel social que o jornalismo exige: dar visibilidade aos temas que afetam a vida das pessoas e o principal, dar voz para essas pessoas.

A cobertura ética exige escuta, apuração e coragem. Diante de projetos de lei como esse, que ameaçam direitos fundamentais, o jornalismo não pode se calar. Ele deve ser ferramenta de esclarecimento, de informação. O caso de Tangará da Serra serve como exemplo do que não deve se repetir: quando a imprensa se cala, o preconceito ganha palco.

compartilhe

+ notícias

plugins premium WordPress